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quarta-feira, 30 de maio de 2007

O que o Serra dizia em 79

bem sabemos que a tucanada é adepta do "esqueçam o que eu disse/escrevi", mas não poderia deixar de divulgar esse pequeno texto de José Serra, publicado na Folha de S. Paulo, em 23 de outubro de 1979.
Nele, o então "crítico" da política do governo estadual - ocupado, à época, por Paulo Maluf - desfere sérias críticas ao arrocho salarial, ao descaso para com as questões sociais etc. Outros tempos...
Percebam a incrível atualidade de tal reflexão!
Pois é... muda-se tudo para nada mudar!
* contibuição do colega Lalo...


Defesa Pública e Mal-Estar Social[1]
José Serra

As expectativas mais mórbidas sobre a performance do sr. Paulo Maluf à frente do Governo do Estado têm sido lamentavelmente confirmadas pelos fatos. É o caso, por exemplo, da atitude do Executivo paulista a respeito da chamada questão social, promovendo a compressão dos salários do funcionalismo público e desconsiderando a importância dos serviços básicos que devem ser oferecidos à população do Estado. Ou, ainda, da hostilidade que tem mostrado em relação às atividades culturais, de ensino e pesquisa.
Evidências eloqüentes dessa conduta do Governo do Estado encontram-se na forma como lidou com a greve dos funcionários públicos há alguns meses, ou mediante o irrisório reajuste concedido na ocasião: cerca 10% sobre a folha de pagamentos herdada de 1978. Poder-se-ia mencionar também o corte de verbas das universidades estaduais, acompanhado do também irrisório reajuste concedido aos seus professores. Ou lembrar que o Executivo descumpriu solenemente sua promessa pública, feita em maio, no sentido de que concederia um reajuste adicional para o funcionalismo caso a arrecadação do ICM viesse a superar a que era então prevista pelos secretários. Isto aconteceu, isto é, houve erro na previsão dos secretários, mas o Governo se recusa a conceder qualquer adicional, alegando razões comprovadamente inconvincentes.
Mas o comportamento do Governo do Estado no que se refere à questão social e cultural não se desdobra apenas nas evidências anteriores. Com efeito, os exemplos parecem renovar-se ininterruptamente, confirmando o caráter socialmente regressivo do Governo que administra o Estado mais desenvolvido da Federação.
Assim, de acordo com a mensagem n°. 108 do governador, à Assembléia Legislativa, relacionada com o orçamento estadual para 1980, o Executivo paulista manifesta sua clara disposição de manter a compressão dos salários do funcionalismo no próximo ano. Como se depreende das tabelas exibidas na mensagem, a despesa com o pessoal do Estado deverá crescer tão-somente em 30% em 1980. Desse modo, o reajuste que seria concedido em março do ano que vem atingiria no máximo esse percentual. E note-se que a elevação anual do custo de vida àquela altura não será inferior a 65 ou 70%. Ou seja; de março a março, haveria uma deterioração adicional do poder aquisitivo das remunerações dos funcionários da ordem de 23%.
Por outro lado, de acordo com os números da citada mensagem, enquanto a despesa de pessoal em 1980 se reduziria em 7% (valores reais) relativamente à efetuada em 1979, as despesas totais do Estado cresceriam em quase 13%. Poderia haver um indicador mais sumário e transparente da aberrante política econômico-social do Executivo paulista?
A mesma mensagem orçamentária ilustra outra face dessa politica: o corte de verbas para as atividades voltadas ao atendimento de necessidades básicas da população. Assim, como se observa pela tabela, em 1980 deverá declinar a participação nas despesas do Estado das atividades relacionadas com educação, saúde e promoção social. E a redução não é apenas relativa, mas também absoluta. Isto é, enquanto as despesas totais crescerão, como se indicou acima, em 13% durante 1980, as despesas nas atividades mencionadas declinarão em termos absolutos – cerca de 13% em educação e quase 3% em saúde.
O descaso pelas atividades de saúde e educação pública reflete-se também em duas medidas recentes do governo estadual. Por um lado, a redução do montante de verbas para o ensino superior, em relação às despesas orçamentárias totais (ver o artigo do professor A. F. Montoro Filho, na Folha de domingo último) e, inclusive, em termos absolutos: em 1980, em valores reais, o ensino superior paulista receberá do governo estadual quase 7% menos do que em 1979.
Por outro lado, cabe registrar o recente anúncio de que o governo estadual pretende reajustar os salários dos pesquisadores pertencentes aos institutos do Estado em tão-somente 30% a partir de outubro, isto é, sem retroatividade a março. Estes funcionários não têm tido qualquer reajuste desde março de 1978. Posto que entre esse mês e setembro de 1979 o custo de vida oficial em São Paulo elevou-se em quase 90%, a perda salarial dos pesquisadores citados será da ordem de 32%. Com isso, comprometeu-se gravemente as atividades de pesquisa de institutos como Agronômico, Biológico, Botânico, Butantã, Adolfo Lutz, Zootecnia, Tecnologia Alimentar, Economia Agrícola e Energia Atômica. Instituições que, em sua quase totalidade, realizam pesquisas que respondem às necessidades imediatas de economia e da saúde da população.
Despesas do Estado (porcentagens do total)
Educação 1976
15,78% 1977
16,5% 1978
15,96% 1979
18,21% 1980
14,03%
Saúde 3,55% 3,51% 3,57% 3,6% 3,14%
Promoção Social 1,41% 1,77% 1,74% 1,42% 1,14%

Fonte: Suplemento do Diário Oficial do Estado, 5/10/79.
* Nota: Até 1978, inclusive, são despesas realizadas. Para 1979 e 1980, são despesas previstas.
As razões que explicam a selvagem política econômico-social do Executivo estadual são deploráveis, embora simples de entender. Está claro, desde logo, que o governador necessita de recursos para obras supérfluas, do tipo “nova capital”, bem como para construir e pôr em marcha sua máquina de clientela, favoritismo e cooptação. No caso das instituições universitárias e de pesquisa existe ainda o problema de que elas se prestam muito pouco para a prática do empreguismo, pois têm estruturas de ingresso e promoção razoavelmente definidas e requerem pessoal com alta qualificação (atributo que não é forte dos que cercam o governador). Por outro lado, o sr. Maluf parece ter alguma consciência de que terá escassas chances de ascender na escala de poder através de eleições livres e diretas, razão pela qual lhe valeria mais a máquina de clientela do que uma política menos infensa às demandas e necessidades da população de São Paulo.

[1] Folha de S. Paulo, 23 de outubro de 1979.