FECHAM AS PORTAS E ABREM OS CAMINHOS

domingo, 20 de maio de 2007

Para além das barricadas: as cadeiras não falam?



“As barricadas não convencem”, “não falam por si só”, “não passam de matéria prima morta entulhada frente às portas do nosso querido instituto”, “são constituídas por patrimônio público”, “resultado de reconhecido esforço institucional, em uma realidade em que se escasseia o sentido de público”, “isso não respeita meu direito de ir e vir”. Essas falas tornaram-se comuns em nosso instituto na semana passada. Até o momento as argumentações se mantiveram visivelmente frágeis; segue-se aqui um esforço de politização do debate.
Nesses últimos dias, essas barricadas estimularam

“Um alargamento súbito de um espaço público, no qual se encontram e dialogam intensamente homens que na véspera se ignoravam, seja porque de fato eram estranhos uns aos outros, seja porque sua convivência em um mesmo local de trabalho ou de vida os deixasse antes indiferentes”. (Lefort, Mai 68 – La Brèche, p. 203 apud MATOS, Olgária C. F. Paris 1968: As barricadas do desejo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989. p. 10).

Somente com estes atos, ditos de violência, é que foi possível colocar em diálogo atores que até o momento somente dividiam um mesmo espaço físico. Foi possível abrir uma discussão entre estudantes, professores e funcionários das universidades públicas paulistas sobre a situação pela qual passam essas universidades e sobre as relações de poder que aqui se cristalizaram e se naturalizaram. Somente a partir dessas barricadas essa discussão pôde sair de nossas cercas e muros e chegar à opinião pública.
Entendemos que as questões que trataremos a seguir são similares nas barricadas que fecham as portas do IFCH na UNICAMP, nas que fecham as portas da reitoria da USP (e que já fecharam a reitoria da UNICAMP há um mês) e que fecham os estudantes da UNESP na diretoria acadêmica de Marília neste momento. As barricadas do IFCH serão nosso ponto de partida, mas não nosso limite para pensar nossa universidade hoje.
Mas esta discussão sobre as barricadas e sobre os métodos de ação política utilizados pelos estudantes e funcionários nesta greve contra os decretos dizem mais do que simplesmente cadeiras fechando portas.


A partir dessas barricadas muitos foram os questionamentos acerca de sua legitimidade enquanto método de ação política. A nosso ver, essas críticas levam a uma despolitização das causas reais da mobilização de funcionários e estudantes. Isso significa que essas críticas colocam em segundo plano as motivações que levaram à paralisação de nossas universidades: a revogação dos Decretos do governador Serra.
Elas explicitam também o problema da hierarquia dentro de nosso Instituto, evidenciando o posicionamento de alguns professores contra a autonomia de organização política dos funcionários e estudantes. Isso fica claro quando alguns de nossos docentes dizem se recusar a entrar em uma greve “a reboque” de outras categorias. Fica a questão aqui: por acaso quando nossos docentes entram em greve, buscando reajustes salariais, eles perguntam às outras categorias da universidade o que pensam disso? Eles perguntam se os outros acham legítimas suas reivindicações? Eles nos consultam sobre se achamos legítima a paralisação das aulas como método de luta? Em algum momento os funcionários e estudantes se opõem ou questionam a autonomia da organização dos docentes enquanto categoria? Em algum momento os estudantes e funcionários se furtaram em se mobilizar em solidariedade à greve dos docentes, por reconhecer que sua luta representava a defesa da universidade pública?
Na prática, o que vimos nos últimos anos foi que os docentes entraram em greve, os funcionários e estudantes se mobilizaram e entraram em greve, mas o que houve de fato foi um esvaziamento das atividades de aula da graduação no IFCH e a continuidade das atividades de pesquisa e de pós-graduação.
Ou seja, essas barricadas explicitam uma negação às formas de mobilização em defesa da universidade pública que vimos ocorrer nestes últimos anos. Vimos que de fato muitos docentes aproveitaram a greve para colocar em dia suas pesquisas e tirar umas férias do fardo que lhes representa as atividades na graduação. Muitos, não todos, nem se dignaram a discutir em sala de aula com seus alunos os porquês das greves que ocorreram. Muitos simplesmente ficaram em casa descansando. E as barricadas expressam nossa refutação e indignação com essa forma de (des)mobilização. Durante anos vimos greves nas universidades paulistas que levaram a parcos aumentos salariais, mas que não convocaram nunca um debate real sobre as condições da universidade pública hoje.
Nossas barricadas representam também uma negação à forma de se construir conhecimento nas universidades. Elas negam o modelo de ciência e de conhecimento que muitos fazem nesse espaço, dito público. Elas questionam o sentido público desse conhecimento. Elas perguntam: para quê serve este conhecimento? Para quê serve esta universidade? A quais interesses esse conhecimento e esta universidade respondem ou são coniventes? Para quem é destinado tudo o que fazemos aqui? É para preencher pilhas e pilhas de relatórios da Capes e da FAPESP para ganhar um conceito vazio, homogêneo, unidimensional e padronizador da produção de conhecimento? É para debater entre nossa casta de intelectuais? Aliás, essas barricadas nos fazem pensar: que intelectuais queremos ser a partir desta universidade? Seremos intelectuais nos moldes de nossos “mestres”? Afinal, que tipo de intelectuais nossos “mestres” são?
Para nós, o silêncio dos intelectuais neste momento de crise significa de alguma forma sua conivência com o avanço da privatização do conhecimento e da universidade hoje. Suas formas de lidar com a mobilização dos estudantes e funcionários representam para nós uma reiteração das lógicas hierárquica e privatista que se estabeleceram na universidade.