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terça-feira, 26 de junho de 2007

As ocupações: originalidade e excesso

Arley Moreno
Diretor do IFCH

O procedimento de ocupações atualmente praticadas pelos estudantes é, sem dúvida, um processo novo na história política da Universidade brasileira e do movimento estudantil. Novo e também original, porque, embora seja um ato de violência civil e também legal estrutura-se internamente segundo regras de organização e de convivência que procuram mimetizar as próprias regras civis que contesta. De fato, as ocupações exprimem protestos e contestações, e, ao mesmo tempo, procuram dar o exemplo de civilidade e de respeito à preservação do patrimônio público envolvido. Em outros termos, preocupam-se os estudantes invasores em eliminar acusações de vandalismo – aliás, inevitáveis, dado o ato inicial que não poderia senão ser violento.
Este novo procedimento de ocupações traz consigo uma variante que é o das "cadeiradas" – versão universitária das barricadas de combate -, a saber, uma forma de obstrução dos locais de acesso a recintos da Universidade visando dificultar ou, mesmo, impedir as atividades normais da instituição.
Os dois procedimentos – ocupações e cadeiradas – tiveram o sucesso esperado, como se sabe, que era o de sensibilizar o Governo estadual e as autoridades acadêmicas sobre reivindicações assumidas pelos estudantes. Tiveram o mérito de realizar o que a morosidade dessas autoridades bloqueou durante vários meses, a saber, no caso do Governo estadual, levou-o a recuar em pontos importantes concernentes à autonomia universitária e, no caso das autoridades acadêmicas, levou-as a negociar pauta importante de reivindicações de interesse propriamente estudantil. A violência inicial dos atos governamentais – violência simbólica com conseqüências práticas – foi respaldada tanto pela letárgica paciência dos responsáveis máximos pela vida e pelos interesses da Universidade, quanto pela inércia da maioria dos docentes das três universidades públicas paulistas – é claro, com raras exceções -, o que, somando-se serviu como estopim para a iniciativa dos estudantes.
Esta situação, e mais a conjuntura política nacional, em que lutas partidárias acirram-se, resultou, por sua vez, ao que parece, tendo-se em vista a recente ocupação da DAC/Unicamp, na utilização dos dois procedimentos iniciais – que haviam dado bons resultados tendo em vista as suas finalidades específicas – como instrumento de mobilização reiterada tendo em vista, agora, novas causas e novas finalidades.
Assim, não nos parece adequado apenas condenar ou repudiar as ações do atual movimento estudantil, assim como não o seria apenas fazer sua apologia. É necessário, contrariamente, procurar bem distinguir o pertinente do não-pertinente às causas universitárias – sua autonomia, as demandas por moradias e por alimentação para os estudantes carentes, a exigência de nova política de contratações para reposição das perdas nos últimos 15 anos, a luta pelo aumento de verbas públicas para a Universidade pública, versus causas que extrapolam o âmbito das atividades universitárias e que apenas reformas sociais e econômicas mais amplas e profundas poderiam solucionar.
O perigo de superpor-se as duas ordens de causas e finalidades consiste em correr-se o grande risco de se perder aquilo que de bom, e, mesmo de excelente já foi conquistado, a saber, a qualidade da produção acadêmica no ensino, na pesquisa e na extensão, nas três universidades públicas paulistas. Situação de excelência a ser preservada, para que os defeitos e as injustiças inevitáveis possam ser corrigidos e superados. Devemos estar alertas para este perigoso risco – situação tão recorrente na história nacional.
Por outro lado, deve-se, ao mesmo tempo, reconhecer e saudar os bons resultados dos atos de violência simbólica do movimento estudantil – violentos porque contestaram regras legais e atos legais, e também violentos, de força, considerados ilegítimos pela própria comunidade – a qual, apesar disto, com eles conviveu em estado letárgico. Violência, entretanto, original, ao procurar apresentar-se como exemplo pela organização e pela convivência interna de modo a preservar o patrimônio público, e ao promover atividades culturais de contestação e de reflexão em torno do próprio processo social em curso.
Seria preciso retomar as reivindicações ainda não contempladas, agora, finda uma primeira etapa, mas, no interior da rotina acadêmica, através de negociações e novas formas de pressão institucional. Reincidir na aplicação de instrumentos que foram eficazes na fase inicial conduziria, neste momento, à destruição da Universidade pública que construímos. Retomar a rotina acadêmica e prosseguir na luta para a melhoria e a correção da vida universitária, parece-nos ser, no momento atual, a atitude mais correta.
E isto tudo sem revanchismos e nem punições aos envolvidos no movimento e, sobretudo, sem lançar mão de soluções externas à universidade, tais como a intervenção policial. Ainda que discordando de suas estratégias de ação e, mesmo, reconhecendo sua inconveniência na conjuntura atual, como no caso da ocupação da DAC, acreditamos que os estudantes são membros políticos que convivem no mesmo espaço acadêmico no qual a troca de argumentos deve prevalecer – e não qualquer tipo de força externa a esse espaço, muito menos a força policial.