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domingo, 24 de junho de 2007

Autonomia universitária: o jardim em risco

 Folha de SP, 24 de junho de 2007.

OSWALDO BAPTISTA DUARTE FILHO

Em relação à autonomia universitária, algumas flores certamente já foram arrancadas. Mas ainda temos nossa voz

DATAM DE no mínimo 20 anos atrás as lutas no Brasil pela concretização da autonomia universitária.
A Constituição brasileira institui, no artigo 207, que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Sucessivos governos têm afirmado a necessidade de regulamentação desse artigo e, nessa espera, o que tem acontecido de fato é a redução da pouca autonomia da qual um dia talvez tenhamos gozado.
A autonomia é prerrogativa intrínseca à instituição universitária em qualquer lugar do mundo, assim como um instrumento fundamental de gestão, sem o qual as universidades correm o risco de se tornar inviáveis.
As universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) são referência no Brasil quando se trata de autonomia. Desde 1989, elas conquistaram uma experiência de gestão autônoma que baliza, inclusive, todo o sistema federal de ensino superior nos debates sobre o tema.
No entanto, embora tenha trazido resultados importantes, nem mesmo a autonomia dessas instituições está garantida, uma vez que depende de decretos e, portanto, do jugo de diferentes governantes.
No contexto das instituições federais de ensino superior (Ifes), a autonomia é ainda mais urgente e complexa. Essas instituições compõem um sistema com papel estruturante na integração e desenvolvimento do país, por meio, principalmente, da formação de profissionais altamente qualificados e da produção de conhecimento científico socialmente relevante e com altíssima qualidade acadêmica. Tais atividades têm acontecido apesar do convívio das Ifes, em passado recente, com a redução de seus recursos humanos e financeiros.
Essa atuação se dá também em um cenário de regressão da autonomia. Se nunca tivemos autonomia de fato, ao longo dos anos fomos perdendo as poucas ferramentas eficazes de gestão das quais um dia gozamos.
Até 1995, as Ifes dispunham de alguma flexibilidade na contratação de recursos humanos, podendo repor automaticamente vagas liberadas por demissão, aposentadoria ou morte de servidores. Desde então, isso não é mais possível. A inclusão das Ifes no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal), em 1988, representou um dos principais obstáculos ao exercício de uma administração autônoma.
Atualmente, essas instituições precisam pedir autorização ao governo federal para o cumprimento de suas obrigações mais elementares, como o pagamento de suas contas de água e energia elétrica. Além disso, não podem fazer nenhuma alteração nas rubricas às quais o recurso é destinado.
A autonomia que defendemos certamente é marcada por transparência e responsabilidade, o que significa não questionar o dever de prestarmos contas de nossas ações -autonomia não é sinônimo de soberania.
No entanto, essa transparência não deve estar identificada com o controle burocrático e deletério do dia-a-dia das Ifes, e sim com políticas mais abrangentes para o ensino superior público brasileiro.
Embora existentes, as iniciativas atuais do governo federal nesse sentido ainda são extremamente tímidas. Tem sido árdua a reconquista da pouca autonomia que um dia tivemos.
A Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Ifes) vem propondo, ao longo desses anos, uma série de projetos que viabilizariam a autonomia, por meio da Lei Orgânica das Universidades Públicas Federais e de outras medidas aparentemente simples, como a remoção dos incontáveis decretos, normas e portarias que, na prática, aniquilam qualquer possibilidade de gestão autônoma.
Entretanto, o que vemos foi, por exemplo, a retirada na versão final do projeto de reforma universitária de todos os pontos sugeridos pelas Ifes em relação à autonomia.
O poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa alerta: "Primeiro, eles vêm à noite, com passo furtivo, arrancam uma flor e não dizemos nada. (...) Até que um dia o mais débil dentre eles entra sozinho em nossa casa, rouba nossa luz, arranca a voz de nossa garganta e já não podemos dizer nada".
Em relação à autonomia universitária, algumas flores certamente já foram arrancadas. Mas ainda temos nossa voz, e com ela é urgente que toda a comunidade universitária levante a bandeira da autonomia. Com responsabilidade e zelo pelo patrimônio público, é preciso garantir a continuidade e a expansão do ensino superior público, gratuito e de qualidade em nosso país. Há ainda muito por dizer, e mais ainda por fazer.

OSWALDO BAPTISTA DUARTE FILHO é reitor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e presidente da e atual presidente da comissão de autonomia da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior). Foi presidente da Andifes.

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E nós? Qual autonomia universitária queremos?? Nossa greve e nossas ocupações são muito mais do que uma contestação à ordem... elas têm a tarefa daqui para a frente de produzir uma proposta alternativa de universidade... Por isso, quando nossa greve acabar, nosso movimento não pode parar... precisamos continuar discutindo, criando, questionando... e propondo!