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domingo, 10 de junho de 2007

Recuo do governo x Força do movimento Greve e luta unificada na Unicamp

Há quase um mês, deflagaram-se as primeiras mobilizações de greve na Universidade Estadual de Campinas, motivadas basicamente por uma “política social” que, via decreto, procurava reformar a educação paulista, com ênfase no ensino superior. Medidas que, do ponto de vista das Universidades públicas, implicam: a) mais um duro e decisivo golpe contra a autonomia universitária; b) precarização ainda maior das condições de trabalho, da docência à pesquisa básica; c) que ferem o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, diversificando o ensino e distanciando o sistema educacional paulista de um padrão de qualidade único, numa reafirmação da histórica lógica dualista da educação brasileira: ensino de boa qualidade para poucos; ensino precário para a maioria.
A exemplo da ocupação da Reitoria da USP pelos estudantes daquela mesma universidade, foram também os estudantes de graduação da Unicamp que tomaram a frente deste movimento, que não pára de crescer ao longo das últimas semanas. A ocupação, aliás, vem se revelando duplamente importante: num primeiro momento, impulsionou decisivamente a deflagração da greve, que agora envolve as três universidades e o Centro Paula Souza; uma vez deflagrado o movimento, passou a fortalecer e ser fortalecida pelo mesmo. Seus 36 dias de duração demonstram isso.
Na Unicamp, dois institutos tomaram frente no movimento, em 15/05/07: Faculdade de Educação (FE) e Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Naquela mesma semana, a Assembléia Geral dos Estudantes da Unicamp tomou decisão similar. As assembléias realizadas no interior de cada Instituto ou Faculdade da Unicamp foram se ampliando semana a semana. O aprofundamento mínimo das discussões sobre os decretos do governo Serra e seu caráter altamente nocivo, criaram uma positiva seqüência de assembléias, reuniões e reflexões coletivas similares. A greve foi se ampliando, ganhando adeptos entre professores e funcionários que, logo, também aderiram ao movimento.
A bandeira da revogação dos decretos parecia, então, consensual. Na Assembléia de Docentes, realizada na Adunicamp no dia 23/05/07, notava-se uma posição quase que unânime dentre os participantes: a de que o MOTIVO da mobilização era a revogação dos decretos, com ênfase na extinção da Secretaria de Ensino Superior. Na ocasião, ficou clara a vontade da maioria dos docentes de não vincular campanha salarial e greve pela revogação dos decretos. Entendeu-se que eram lutas necessárias, a serem tratadas, contudo, em âmbitos distintos: reitoria e governo paulista, respectivamente. Do mesmo modo, esta seria uma forma de criar e manter uma unidade no movimento de greve, unificando bandeiras e evitando o predomínio de interesses corporativos.
A desejada unidade, contudo, sofreu um grande abalo. Habilmente assessorado por docentes da Unicamp, da USP e da Unesp, reunidos no Palácio dos Bandeirantes no dia 29/05/07, os também professores José Serra e José Aristodemo Pinotti, baixaram mais um decreto (30/05/07), desta vez “declaratório”, onde reafirmava-se o conteúdo dos decretos anteriores – aqueles que afetavam diretamente a autonomia universitária –, requintando-lhes com sua inédita “interpretação autêntica”.
Ora, para bom entendedor, meia palavra basta: se o decreto declaratório destina-se apenas a dar “interpretação autêntica” aos decretos de n°. 51. 471, 51.473, 51.636 e 51.660, uma vez compreendida a sua autêntica interpretação, ele torna-se desnecessário, podendo ser revogado a qualquer momento. O aviso do governo paulista foi claro: não se está modificando o conteúdo daqueles decretos, apenas dando-lhes interpretação. É como se Serra, após colocar o bode na sala, ao invés de retirá-lo, criando a sensação de uma melhora efetiva, apenas declarasse a sua não-presença. No mais, o único decreto que foi alvo de modificação – o de n°. 51.461 – teve duas alíneas novamente redigidas, o que, para aquele mesmo bom entendedor, não altera em nada o essencial: trocou-se a menção enfática à “pesquisa operacional” por uma outra, abstrata e contraditória, em que se afirma: 1. a “ampliação das atividades de ensino, pesquisa e extensão” (o que é redundante, visto que este é justamente o princípio constitucional ao qual devem obedecer todas as universidades); e 2. “busca de formas alternativas para oferecer formação nos níveis de ensino superior” (o que subverte a afirmação anterior, já que “formas alternativas” de formação correspondem justamente à quebra do modelo de ensino que respeita à indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão). Não podemos esquecer que as “entidades vinculadas” à Secretaria de Ensino Superior são: as três universidades (USP, Unesp e Unicamp), as Faculdades de medicina de Marília e São José do Rio Preto e o Memorial da América Latina. (cf. Art. 7º, inciso XVI, do Decreto nº. 51.460; e Art. 3º., parágrafo único, do Decreto nº. 51.461).
Cabe-nos então perguntar: essas “formas alternativas” incidirão sobre quem? Sobre as Faculdades de medicina e o Memorial da América Latina ou sobre as três universidades, à semelhança do que já vem sendo feito nos desastrosos processos de expansão (USP/Zona Leste, os novos “campi” da Unesp e a Unicamp/Limeira)? Ou pior: será privilegiado o ensino privado? Nesse sentido, é lícito lembrar que não se alterou o inciso IV do mesmo Art. 2º (Decreto nº. 51.461), que fala de um estranho “intercâmbio de informações e a colaboração técnica com instituições públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais”.
O golpe político de Serra parece, no entanto, ter obtido resultados positivos. Boa parte dos docentes celebrou uma suposta “vitória”. Fato este que, embora sinalize um recuo mínimo do governo, não está, nem de longe, próximo a sua pauta de reivindicações, tirada por assembléia no dia 23/05/07. Tampouco povoa os horizontes dos estudantes, para os quais, desde o início, só interessava a total revogação dos decretos, uma bandeira considerada essencial para unificar toda a comunidade universitária – e para além dela, todos os setores da administração pública estadual diretamente afetados pelo pacote de decretos, o que não precisou nem de interpretação autêntica.
O decreto declaratório não revogou nenhum dos decretos anteriores. Não alterou também o Decreto n°. 51.460, o primeiro de toda a série de decretos da política “social” do governo paulista e justamente aquele que é uma das “bases” fundamentais para as modificações introduzidas com os decretos posteriores. Outrossim, não extinguiu a Secretaria de Ensino Superior, uma reivindicação enfatizada pelos docentes na referida assembléia e motivada, inclusive, pelo entendimento de sua inconstitucionalidade. O que fez foi reduzir os atributos desta Secretaria, o que não significa o seu “esvaziamento”, alegado por muitos docentes. Afinal, um governo que prega pela eficiência, que versa o dogma neoliberal do “enxugamento” da estrutura estatal, concordaria, assim tranqüilamente, em manter uma secretaria “esvaziada”? Teriam conseguido os docentes “driblar” o hábil governador, e também professor da Unicamp, José Serra? Difícil acreditar.
O que Serra tenta é desmoralizar publicamente e, conseqüentemente, dividir o movimento que envolve todos os setores das três universidades estaduais paulistas. Um movimento que, insistimos, não parou de crescer em nenhum instante e que assim segue, mesmo com a tentativa de quebrar sua unidade. Convém lembrar que diversos docentes, em Assembléia no dia 05/06, declararam que as mobilizações em suas respectivas unidades haviam atingido graus que há muito tempo não se observava. Os diversos informes que deram início à Assembléia deixaram claro que Faculdades e Institutos nos quais tradicionalmente não há mobilizações, estavam se preparando para tanto, promovendo discussões sobre os decretos e mostrando-se dispostos a aderir ativamente à luta.
Cabe perguntar, portanto, se há motivos para encerrar uma mobilização que não pára de crescer. Greve não é fim em si mesmo, mas como foi dito pelo Prof. Álvaro Bianchi (IFCH) na última assembléia dos docentes da Unicamp, o recuo de Serra é apenas um termômetro da força que o movimento vem adquirindo até o momento. A greve é o meio necessário para que se avance na luta ora travada contra o governo estadual e os interesses que este representa. Se ampliarmos esta força, as chances de vermos atendidas as reivindicações iniciais (aquelas do dia 23/05, decididas em assembléia) serão ainda maiores. Se, ao contrário, abandonarmos o barco neste momento, todo um processo de lutas e de parcas conquistas até agora obtidas, terá sido jogado na lata do lixo da história.
Uma faixa estendida pela Adunicamp em frente à entrada principal da universidade, contém os seguintes dizeres: “Pela revogação dos decretos do governo Serra”, “Pela extinção da Secretaria de Ensino Superior” e “Pela retirada do SPPrev”. Até agora, o que se conseguiu? Os decretos foram apenas alvo de interpretação autêntica e um deles sofreu pequenas modificações; a Secretaria de Ensino Superior continua existindo, bem como o Decreto-base de todos os demais (n°. 51.460, de 01/01/07); e o SPPREV já foi aprovado pela Assembléia Legislativa. A pergunta que fica no ar é: os docentes da Unicamp continuarão mobilizados em torno de suas bandeiras de luta, decididas democraticamente em assembléia, ou deixarão levar-se pela onda conservadora que quer desmobilizar e desmoralizar o movimento?
Sabemos o quão difícil tem sido, nos últimos anos, mobilizar amplos setores da universidade brasileira. Não à toa, a reação começa a tomar formas objetivas. Na última quarta-feira, 06/06/07, setores conservadores da USP convocaram toda a comunidade acadêmica – com ampla divulgação e cobertura da mídia – para uma “caminhada” pelo Campus Butantã contra a ocupação da Reitoria. Felizmente, a mobilização não conseguiu reunir pessoas suficientes, sequer para dar um abraço simbólico em torno do relógio da USP. Mas este é um movimento que tende a crescer. O momento sugere que a luta pela revogação dos decretos se fortaleça. A única forma de fazê-lo, bem como de combater o avanço conservador, é a manutenção da greve e da luta unificada de estudantes, funcionários e docentes das três estaduais paulistas e do Centro Paula Souza, contra a “política social” do governo Serra. O aparente recuo deste último expressa justamente a força deste movimento. Além disso, não há motivos para crer que o governo não vá recuar ainda mais. Os decretos podem ser revertidos imediatamente, pois implicam mudanças essencialmente burocrático-administrativas que não envolvem novos gastos ou investimentos.
Mas permanecendo tudo como está, o que certamente não poderá ser revertido é o impacto nocivo dos decretos sobre a educação superior paulista. O estrago está feito e o mínimo que se pode fazer é correr atrás do prejuízo. Esta é razão suficiente para que os docentes da Unicamp, que inclusive aprovaram moção de apoio à ocupação da reitoria da USP, continuem em greve, na luta pela pauta de reivindicações ainda não cumprida.
Campinas, 09 de junho de 2007.
Lalo Watanabe Minto (Doutorando em Educação da FE/Unicamp)